Por uma Constituinte Revisional Exclusiva

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Publicação original em http://blogceiri.com.br/por-uma-constituinte-revisional-exclusiva/ – IBSN 29-83-74-2327

Por Armenio de Oliveira dos Santos

Recentemente, em face dos protestos
acontecidos, muito tem se falado sobre processos constituintes e outras
questões atinentes ao Direito Constitucional, ao ponto de a Presidente da República
ter declarado publicamente seu interesse em convocar uma constituinte exclusiva
para fazer uma reforma no sistema político.

Esta situação foi rechaçada por diversos
juristas e entidades, tendo o Palácio do Planalto revisto a sua posição, pelo
fato de que tal medida é manifestamente inconstitucional, por diversos motivos.

O mais relevante deles é que para convocar
uma Constituinte seria necessária uma ruptura do sistema institucional vigente,
o que não existe neste momento atual da história, além da necessidade de
primeiro ter de se desconstituir a atual Carta Política para produzir outra,
onde, inclusive, se correriam riscos de retrocesso para a democracia, os
direitos e garantias fundamentais e as cláusulas perenes (cláusulas petreas) do atual texto, além de impossível tal instituto
para deliberar sobre apenas um aspecto específico, como foi proposto. Aqui,
portanto, estamos falando em uma constituinte originária.

E é aí que tem residido uma grande confusão
acerca dos conceitos que têm sido tratados e comentados e sobre os quais não
tem havido o necessário esclarecimento.

Uma coisa é Constituinte originária e outra
muito diferente é uma Constituinte reformadora, revisional, onde o Poder
Revisional encontra limites, pois que é manifestação do Constituinte Derivado,
sendo que estes limites estão na própria Constituição da República de 1988.

Entendo que não precisamos de uma nova
constituição, pois a nossa está entre as mais avançadas do mundo, especialmente
no que tange aos direitos sociais e garantias do cidadão, mas é certo que
necessitamos de uma revisão deste texto para aprimorá-lo e aprofundá-lo
naquelas matérias em que a sociedade tem reclamado uma reestruturação, tais
como a reforma política, a reforma do estado brasileiro, a reforma tributária,
trabalhista e outras tantas. No entanto este aprofundamento, em sede de
Constituinte Revisional, e portando um Poder Constituinte Derivado, não
apresenta o risco de retrocessos nas cláusulas petreas e nas garantias individuais e direitos fundamentais já
plasmados na Carta Magna, especialmente o previsto no § 4º do art. 60 da
Constituição.

 E
para estas alterações o melhor mecanismo não é o de Emenda Constitucional, tal
como previsto no art. 60 da Constituição, pois este é mais adequado para
alterações pontuais no texto e não para modificações abrangentes como as
reclamadas e para as quais o mecanismo da Revisão é o mais adequado, por
permitir maior e melhor debate, aprofundamento e sistematicidade para o texto
alterado.

Entendo, ainda, que o plebiscito, tal como
tem sido suscitado, não é o melhor instituto para dar uma resposta aos anseios
das ruas, pois o que ele permite são questionamentos pontuais e que não gerarão
respostas suficientemente aprofundadas e claras para questões tão complexas e
que reclamam uma ampla reflexão, além de não vincular os Congressistas ao seu
resultado e de que dependendo da forma como for proposta a pergunta haverá uma
indução na resposta. Também não creio que o referendo baste, uma vez que este é
uma manifestação posterior para aprovar ou reprovar algo já feito pelo
Congresso Nacional.

O importante e sempre atual filósofo alemão
G. W. Friedrich Hegel nos diz que as constituições, além de conterem o
“espírito do povo” devem acompanhar o “espírito do tempo” para que possam ser
reconhecidas pela população a que se destinam e, assim, passados vinte e cinco
anos da promulgação da nossa Constituição da República é imperioso que se
atualize seu texto para acompanhar a evolução do tempo e da sociedade.

 A
insatisfação demonstrada pelo povo é uma evidência clara de que a Constituição
necessita ser atualizada para que contenha o espírito do nosso tempo e para que
a população brasileira não chegue ao extremo de que, assim como os espanhóis em
relação à Constituição que lhes foi outorgada por Napoleão, não se reconheçam
mais no texto da Carta Magna de nossa Nação.

E esta revisão deve ser, inclusive,
periódica, como o exemplo da Constituição portuguesa de 1976 e de outros
países.

Nossa proposta objetiva e que cremos
adequada tecnicamente é que se faça, por meio de uma Emenda Constitucional, uma
alteração para a inclusão da possibilidade de alteração da Constituição através
de Revisões periódicas com a inserção de inciso VIII no art. 59 e uma Subseção
IV, na Seção VIII, do Capítulo I, do Título IV da Constituição da República Federativa
do Brasil, dispondo sobre a Revisão Constitucional.

Além disso, a Revisão deverá ser realizada
por Constituinte Revisional eleita exclusivamente para tanto, pois aí o eleitor
estará elegendo um Deputado Constituinte Revisional, o qual deverá ficar
impedido de concorrer em eleição imediatamente subsequente ao Congresso
Nacional, evitando-se, desta forma, que legisle em causa própria e ocorrendo,
então, a emanação de vontade direta de quem é o titular do Poder Constituinte
que é o Povo.

Outra questão essencial para o episódio é
que se observe o quorum qualificado já previsto na Constituição para o caso de
Emendas Constitucionais, evitando, assim, eventual inconstitucionalidade de
norma constitucional e, para tanto, será necessário que a proposta final de
Revisão Constitucional seja discutida e votada no Plenário da Constituinte
Revisional, em dois turnos, considerando-se aprovada quando obtiver, em ambos,
o voto favorável de três quintos dos respectivos membros.

Importa ressaltar que esta possibilidade
apresentada já encontra precedentes no Direito Constitucional pátrio, eis que a
Emenda Constitucional 26/85 foi que convocou a própria Assembleia Constituinte,
da qual deriva a atual Constituição, além de exemplos no direito internacional,
como a Emenda à Constituição francesa de 1946, cujo texto aprovado em referendum gerou a Constituição de 1958,
ainda vigente e a alteração da lei orgânica sobre as Cortes espanholas, da qual
resultou a Constituição de 1978 naquele país.

Desta forma teremos a possibilidade de
rediscutir o Pacto Federativo e a estrutura do Estado brasileiro sem suprimir a
Federação, de revisar as competências dos Poderes para que o Executivo não seja
tão hegemônico sobre os demais sem abolir a Separação dos Poderes, de rever a
estrutura política do Brasil sem que isso represente risco à democracia e de
tratar de tantos outros temas relevantes e necessários, inclusa a possibilidade
de remeter para a legislação infraconstitucional diversos temas que não necessitam
estar dispostos em sede de Constituição.

É imperioso alertar, ainda, que não se pode
confundir reforma política com reforma eleitoral, que é o que está sendo
proposto atualmente, que embora importante não é o suficiente, pois é preciso rever
bem mais que questões atinentes à forma das eleições, do papel dos partidos e
do modo de financiamento das campanhas.

Uma Constituinte Originária é impossível juridicamente, mas uma Revisão
Constitucional é possível e, mais do que isso, necessária, pois qualquer outra
medida adotada será apenas periférica.

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* Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (2008). Advogado, exerceu, dentre outros, o cargo de Secretário de Estado da Habitação e Desenvolvimento Urbano do Estado do Rio Grande do Sul (2006). Tem experiência na área do Direito como Advogado, Consultor, Parecerista e Docente, com ênfase em Direito Público, atuando principalmente nas áreas de Direito Constitucional, Administrativo, Orçamentário, Eleitoral e Tributário.