Por Bárbara Pombo
Advogados já têm teses prontas para discutir na Justiça a cobrança e restituição de tributos, além de causas perdidas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), com base no julgamento do mensalão, finalizado há um mês no Supremo Tribunal Federal (STF). Depois de 53 sessões, a Corte condenou 25 pessoas pela participação no desvio de dinheiro e compra de votos de parlamentares em troca de apoio em votações de projetos de interesse do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na área tributária, o julgamento do mensalão pode ter reflexo nas discussões fiscais analisadas pelo Carf – última instância administrativa para discutir autuações do Fisco. O entendimento do Supremo de que empates beneficiam os réus será utilizado por advogados para tentar derrubar decisões contrárias aos contribuintes no órgão do Ministério da Fazenda. “Será minha estratégia a partir de agora”, diz Vinícius Branco, sócio do Levy & Salomão Advogados.
Em outubro, a maioria dos ministros decidiu absolver sete réus do mensalão cujo placar ficou empatado. O voto do então presidente da Corte, ministro Ayres Britto, foi no sentido de que a Constituição Federal e o Código de Processo Penal estabelecem que, na dúvida, o acusado será favorecido. Este princípio é conhecido como “in dubio pro reo”.
O regimento do Carf é um obstáculo à aplicação do princípio. Pelo texto, os empates são definidos pelo voto de qualidade do presidente da sessão, que é sempre um representante do governo. “Seremos municiados pelos contribuintes a pensar sobre isso. Mas haverá muita discussão porque não podemos ir contra o regimento”, diz a conselheira do Carf, Nanci Gama, do escritório Xavier Bragança Advogados.
A estratégia dos tributaristas é levantar o precedente do STF nos casos em que a condenação for mantida pelo voto de qualidade do presidente. Quando a denúncia de ilícito fiscal (como sonegação e fraude) é mantida, o contribuinte deve responder à ação penal, além de pagar o imposto com multa de 150%.
Segundo advogados, se o argumento for rejeitado pelo Carf, caberá ao Judiciário definir se o princípio ou o regimento prevalecem. “Haverá uma análise de constitucionalidade do regimento do Carf”, afirma o advogado Yun ki Lee, sócio do Dantas, Lee, Brock & Camargo Advogados. “O empate é reflexo de dúvida, que não pode prejudicar o contribuinte”, completa. Ao contrário de outros advogados, Yun ki Lee acredita que a aplicação do princípio não se limita a casos de crime fiscal, mas à qualquer discussão sobre exigência do imposto. “A discussão é mais difícil, mas pessoalmente acredito que os princípios básicos do direito penal se aplicam ao direito tributário”, diz.
O julgamento do mensalão também poderá abrir brecha para o ajuizamento de ações de restituição da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), paga entre janeiro de 2005 e dezembro de 2007. Segundo dados da Receita Federal, no período foram recolhidos quase R$ 98 bilhões em CPMF.
A exigência da contribuição foi prorrogada pelo artigo terceiro da minirreforma tributária de 2003 (Emenda Constitucional nº 42) que, segundo o Supremo, seria um dos projetos aprovados com a compra de votos.
A advogada Elisabeth Lewandowski Libertuci, autora da tese, defende que a emenda tem inconstitucionalidade formal em razão das violações à Constituição, como ao princípio da moralidade e falta de expressão da vontade do povo por meio dos seus representantes. “Não há inconstitucionalidade do tributo. Na verdade, o texto legal inexiste por conta do vício no rito legislativo”, defende. “Logo, o que foi arrecadado no período pode ser considerado indébito sem causa do poder público”, completa.
A tributarista diz foi contratada por empresas para defender a tese no Judiciário, mas aguarda a publicação do acórdão para propor as ações na primeira instância. “O prazo para pedir a restituição começa no momento em que o STF reconhecer definitivamente que houve crimes na votação da emenda 42?, diz, referindo-se ao Decreto nº 20.910, de 1932, que regula a prescrição.
Apesar de considerarem a tese engenhosa, advogados afirmam que há diversos obstáculos para que se tenha êxito no Judiciário. O primeiro deles seria o impacto da decisão para os cofres públicos e a segurança jurídica. “Se o Supremo derrubar a Emenda 42 terá que fazer com as demais sujeitas à vício de tramitação. Haveria um caos institucional no país”, diz Fábio Martins de Andrade, do Andrade Advogados Associados, acrescentando que o Supremo poderia modular sua decisão para o futuro. O que, para a discussão da CPMF não teria efeitos por não estar mais em vigor.
A advogada Damares Medina concorda. “Parte-se da premissa de que emenda é inexistente, o que é errado”, afirma. “Ainda que a norma seja inconstitucional o STF modularia sua eficácia”, diz.