Decisão é “cavalo de pau” da Corte, vitória para estados e derrota para contribuintes; arrecadação anual é estimada em mais de R$ 30 bilhões
O Superior Tribunal de Justiça decidiu nesta quarta-feira (13) que as tarifas de transmissão e distribuição de energia elétrica (Tust e Tusd) integram a base de cálculo do ICMS, em uma vitória dos estados, que fazem a cobrança “por dentro” do imposto estadual e poderiam perder arrecadação, e uma derrota para os contribuintes, que alegavam que a forma de tributação era ilegal.
O julgamento é relevante por envolver grandes consumidores de energia, como hospitais, shoppings e indústrias, e porque a arrecadação dos estados com essa forma de cobrança, validada hoje pela Corte, é estimada em mais de R$ 30 bilhões por ano. Assim, não haverá impacto fiscal negativo para as contas estaduais nem positivo na inflação.
O novo posicionamento é considerado um “cavalo de pau” do STJ. Julia Ferreira Cossi Barbosa, head da área tributária judicial do escritório Finocchio & Ustra, aponta uma “gritante modificação do cenário”.
Luis Claudio Yukio Vatari, advogado tributarista e sócio do escritório Toledo Marchetti Advogados, pondera que mudanças de entendimento das cortes superiores não são novidade e lembra “o famoso voto do ministro Humberto Gomes de Barros, que comparou os ministros do STJ ao piloto de banana boat, cuja função é virar bruscamente da esquerda para a direita, com intuito de derrubar os passageiros”. “O voto tem quase 20 anos, mas a metáfora do ministro ainda é muito atual”.
Para Vatari, os contribuintes que tinham conseguido excluir as tarifas do ICMS “terão um aumento considerável na tributação e, consequentemente, da conta de energia elétrica”. “Essa decisão afeta toda a cadeia de maneira direta e indireta. Os supermercados, por exemplo, já não podem se creditar dos valores do ICMS sobre a energia elétrica, e o aumento da carga tributária será repassada”.
A decisão da 1ª Seção foi unânime e a tese é repetitiva, o que significa que instâncias inferiores do Judiciário terão de obrigatoriamente segui-la. O entendimento final foi que a tarifa de uso do sistema de transmissão (Tust) e/ou da tarifa de uso do sistema de distribuição (Tusd), quando lançadas na conta de energia elétrica como encargo a ser pago pelo consumidor final, integra a base de cálculo do ICMS.
O relator, ministro Herman Benjamin, argumentou que o sistema nacional de energia elétrica é composto por etapas interdependentes, integrando a geração, transmissão, distribuição e consumo. “Não dá para fatiar”.
Modulação dos efeitos
Mas os ministros do STJ optaram por modular os efeitos da decisão, também por unanimidade (o tribunal é composto por 33, dos quais 9 integram e a 1ª Seção). Eles acompanharam a proposta do relator, de impor, como recorte temporal, o dia 27 de março de 2017 — quando teve início no STJ uma mudança da jurisprudência pró-arrecadação (a publicação do acórdão do recurso especial nº 1.163.020 – RS, relatado pelo ministro Gurgel de Faria).
Consumidores que até essa data tenham sido beneficiados por liminares poderão recolher o ICMS sem a inclusão da Tust e da Tusd na base de cálculo, decidiram os ministros, desde que a antecipação de tutela esteja vigentes até agora. Mas eles só poderão se beneficiar da tributação menor até a publicação do acórdão da decisão de hoje. Depois disso, todos deverão se submeter ao pagamento “integral” do imposto, com a inclusão das duas tarifas na base de cálculo.
Com a modulação, não será beneficiado quem não entrou com ação na Justiça ou ingressou, mas não conseguiu liminar favorável (ou conseguiu, mas a tutela não está mais vigente). Também não será beneficiado quem conseguiu a liminar após o recorte temporal, e as decisões transitadas em julgado, favoráveis ao contribuinte, serão analisadas caso a caso.
Barbosa, do escritório Finocchio & Ustra, ressalta a importância da modulação, devido à “gritante modificação do cenário”, pois ela “resguarda o impacto do passado”. “Inúmeros contribuintes operam com liminares para afastar a incidência da Tust e da Tusd na apuração de seu ICMS”.
Entenda o caso
As empresas, que saíram derrotadas do julgamento, defendiam que não deveria haver cobrança do ICMS sobre a Tust e a Tusd, pois alegavam que as tarifas eram adicionais e, portanto, a cobrança do imposto estadual deveria ser “por fora”. Já os estados incluem a Tust e a Tusd no cálculo, ampliando a arrecadação (elas passam “por dentro” do ICMS).
A disputa levou milhares de contribuintes à Justiça, contra uma cobrança estimada em mais de R$ 30 bilhões por ano.
“As companhias alegam que, como a Tust e a Tusd passam ‘por dentro’ do ICMS, ele fica inflado. E os estados dizem que, se a cobrança for ‘por fora’, não têm nem como devolver o dinheiro”, afirmou Rafael Favetti, sócio e diretor de análise politica e jurídica da Fatto Inteligência Política, antes de o julgamento ser retomado. ”É um julgamento muito importante porque só envolve grandes empresas, como hospitais, shoppings e indústrias”.
O tema já chegou a ser analisado duas vezes pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na primeira, em 2017, a Corte decidiu que a questão era infraconstitucional — e, portanto, não havia repercussão geral (Tema 956). Na segunda, em 2023, o plenário confirmou a decisão liminar do ministro Luiz Fux, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7195, que suspendeu um dispositivo da Lei Complementar (LC) 194/2022.
Sancionada no governo Jair Bolsonaro (PL), ele retirava a Tust e a Tusd da base de cálculo do ICMS. Mas o plenário seguiu o entendimento de Fux, de que a União invadiu a competência tributária dos estados ao fazer a alteração. O ministro destacou em seu voto que a estimativa era que os estados deixavam de arrecadar cerca de R$ 16 bilhões por semestre, e apenas o ministro André Mendonça divergiu do relator.
Fonte: InfoMoney (https://www.infomoney.com.br)