Por Laura Ignacio | De São Paulo
Luis Ushirobira/Valor – Advogado Eurico Marcos Diniz de Santi: consulta pública é uma possibilidade de virada institucional
A Receita Federal poderá abrir consulta pública para a participação da sociedade na elaboração da regulamentação da Medida Provisória (MP) nº 685, que trata da chamada declaração de planejamento tributário. Será uma oportunidade para advogados tributaristas que representam grandes empresas e acadêmicos apresentarem propostas de mudanças que consideram essenciais para a MP. É a regulamentação que define como a norma deve ser aplicada na prática.
O que não resultar em acordo, segundo advogados, deverá ser levado para discussão no Congresso Nacional. O principal pedido dos contribuintes, por exemplo, que é a derrubada da multa de 150% para quem deixar de declarar operações sem “razão extrafiscal relevante” ou cuja forma adotada “não for usual”, só poderá ser discutido pelos parlamentares.
Se uma empresa interpretar que a operação foi realizada com propósito negocial, e não apenas para recolher menos tributos, e deixar de declarar pode ter que pagar essa multa agravada – a multa simples é de 75%.
Mas alguns esclarecimentos do que está dúbio na MP podem ser feitos por meio da regulamentação da norma. As propostas vêm sendo debatidas em diversas entidades, entre elas, a FGV Direito SP, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Para Eurico Marcos Diniz de Santi, coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP, a consulta pública é uma possibilidade de virada institucional. “Se pensarmos adequadamente a regulamentação, pode ser uma forma de haver alinhamento entre a Receita e as empresas”, afirma. O advogado cita como exemplo a participação da sociedade na criação de uma lista que especifique objetivamente quais operações devem ser declaradas, evitando a aplicação da multa agravada.
Publicada na semana passada, a MP 685 institui o Programa de Redução de Litígios Tributários (Prorelit) e cria a obrigação de informar à Receita os negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou adiamento (diferimento) do pagamento de tributos. Na exposição de motivos da MP, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirma que a medida está de acordo com o Plano de Ação sobre Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros (BEPS), desenvolvido pela OCDE para evitar “estruturas agressivas ou abusivas”. Segundo ele, a medida melhora o ambiente de negócios. Alega que, se a empresa comunica a estratégia, há menos riscos de um litígio futuro.
Segundo Paulo Ricardo de Souza Cardoso, subsecretário de tributação e contencioso da Receita, até a semana que vem o órgão terá um texto básico da regulamentação que será levado ao ministro da Fazenda para colocação em consulta pública. “Para nós esse diálogo em relação a assuntos polêmicos é importante porque nos permite interagir com o contribuinte e aperfeiçoar nossas normas”, diz.
Cardoso admite que há conceitos subjetivos na MP, como razões extrafiscais relevantes e forma não usual, mas justifica que esses conceitos são parâmetros criados no âmbito do BEPS e usados por países como Portugal e Estados Unidos. Quanto ao risco de receber a multa de 150%, Cardoso afirma que a recomendação é: “na dúvida, faça a declaração”. “Além disso, as empresas sabem quando a operação é realizada fora da normalidade, ou pode não ter razão extrafiscal”, afirma.
A grande vantagem da nova declaração é que se o planejamento tributário não for aceito pelo Fisco, a empresa poderá recolher os tributos devidos só com juros, sem multa, em 30 dias. “Se não aceitar, ela será autuada e poderá discutir sua tese na esfera administrativa, como já ocorre hoje”, diz Cardoso.
O subsecretário adiantou que cada declaração será analisada por, no mínimo, quatro auditores. Também disse que a Receita estuda a viabilidade técnica para receber informações de operações realizadas em 2014 até 30 setembro pelo Sped. “Mas a declaração deverá ser entregue por todos que se enquadrarem na MP, o que inclui pessoas físicas.”
As empresas concordam que uma declaração prévia pode trazer mais segurança jurídica para a realização dessas operações. Mas acreditam que, se o texto da MP ficar do jeito que está, essas informações podem ser usadas pela Receita como instrumento de coação.
“Aplicar a multa de 150% por entender a falta de declaração como omissão dolosa com intuito de sonegação é inconstitucional”, afirma o advogado Flávio de Sá Munhoz, do Munhoz Advogados. Segundo ele, a sanção fere o princípio da presunção de inocência e cria uma situação nova, que se enquadraria como crime de sonegação fiscal. “Porém, matéria de direito penal não pode ser veiculada por medida provisória”, diz.
Em 2010, nas discussões sobre a regulamentação de uma norma antielisiva entre auditores e procuradores, chegou-se ao consenso de que uma declaração prévia seria o ideal. “Mas ela seria facultativa e teria como atrativo a possibilidade de o contribuinte pagar o que o Fisco considerasse devido só com juros, em 30 dias, ou seria cobrada uma multa de 20%, que também seria exigida no caso do contribuinte deixar de declarar”, diz o advogado tributarista Marcos Neder, do Trench Rossi e Watanabe Advogados. A facultatividade é outra proposta a ser apresentada.
Entre os pontos que poderão ser resolvidos por meio da regulamentação está a definição se as operações devem ser reportadas ao Fisco quando realizadas ou somente quando resultarem em efeitos tributários. “Se a empresa faz uma incorporação com ágio, por exemplo, mas só usa esse valor para abater impostos dois anos depois. Quando ela deve declará-la ao Fisco?”, questiona Neder.
A Fiesp já pediu uma reunião com o secretário da Receita, Jorge Rachid. Para Helcio Honda, diretor jurídico da Fiesp, uma norma importante como essa deveria ser mais discutida com a sociedade. “Para diminuir a litigiosidade, as normas tributárias têm que ser mais claras. Há várias subjetividades no texto da MP”, diz. “Ou vamos sensibilizar a Receita ou partimos para o Congresso Nacional.”