Empresas de capital aberto que distribuíram dividendos a partir de 2008, calculados com base no “lucro societário”, correm o risco de ser autuadas pela Receita Federal. Segundo o entendimento oficial da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), divulgado por meio de parecer, apenas o “lucro fiscal” pode ser distribuído aos acionistas com isenção de Imposto de Renda (IR). Como lucro fiscal entende-se o resultado líquido obtido após os ajustes do Regime Tributário de Transição (RTT) – criado para evitar impacto tributário com a entrada em vigor das normas contábeis internacionais (IFRS).
A diferença entre o lucro antes e depois da entrada em vigor da IFRS no país é complexa. Numa aquisição até 2007, por exemplo, o valor de deságio só seria considerado um ganho após a sua efetiva realização. Com a aplicação das normas contábeis internacionais, o deságio passou a ser considerado “ganho por conta vantajosa”, refletindo no resultado e elevando o lucro da empresa.
“Se as empresas distribuíram lucro superior ao apurado com base no RTT, tendo em vista que somente o denominado lucro fiscal é isento, a empresa deve oferecer à tributação a eventual diferença entre o lucro fiscal (isento) e o lucro societário (não albergado pela isenção). Caso contrário, pode vir a ser autuada”, diz a PGFN por meio de nota enviada ao Valor. A isenção dos dividendos foi instituída por meio da Lei nº 9.249, de 1995.
O entendimento da PGFN consta do Parecer nº 202, de 2013, da Coordenação-Geral de Assuntos Tributários da PGFN, em resposta a uma consulta feita pela Receita Federal. No parecer, a própria Receita diz que tem essa visão e pede uma opinião técnica da PGFN, que atesta no documento sua concordância. O principal argumento do Fisco é o de que como o lucro societário não é integralmente oferecido à tributação – com base no RTT -, também não poderia ser distribuído de forma isenta aos acionistas.
No parecer, a procuradoria afirma que o entendimento mais “adequado” é o de que “são considerados isentos os lucros ou dividendos distribuídos até o montante do lucro fiscal apurado no período, ou seja, do lucro líquido apurado conforme os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007?.
De acordo com o advogado Edison Fernandes, do escritório Fernandes, Figueiredo, esse tipo de parecer “não vincula os contribuintes, mas fundamenta a atuação da Receita”. Além disso, afirma, como as empresas não precisam divulgar seu lucro fiscal, o entendimento gera insegurança jurídica aos investidores. Isso porque “os acionistas não sabem a qual lucro têm direito, como retorno do seu investimento”.
Para advogados, chama a atenção o fato de a Receita Federal e a PGFN não terem tratado no parecer da segregação das reservas de lucros entre fiscal e societário. O parecer também não diz qual alíquota incidiria se a empresa distribuir resultado além do lucro fiscal. “Essa é uma das principais dúvidas, que indica, inclusive, para a sua ilegalidade. Não há lei que defina expressa e indubitavelmente essa alíquota”, afirma Fernandes.
Segundo o advogado Rafael de Moraes Amorim, do escritório Vieira Rezende Advogados, o parecer deve provocar autuações fiscais. Ele exemplifica que, com base em lucros societário e fiscal de R$ 120 milhões e R$ 100 milhões, respectivamente, agora somente R$ 115 milhões poderiam ser distribuídos aos acionistas. “Se o Fisco verificar a distribuição de R$ 120 milhões com isenção, poderá autuar a empresa, que terá que pagar os R$ 5 milhões de imposto, mais multa”, diz. O advogado considerou a alíquota hipotética de 25% de Imposto de Renda sobre a diferença de R$ 20 milhões. A Receita Federal foi procurada pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento da edição.
Se o entendimento publicado pela PGFN for aplicado pela Receita, serão impactadas as companhias que distribuíram dividendos desde 2008. “Todos os que adotaram as normas contábeis internacionais tiveram lucro maior do que aqueles que teriam com base nas regras antigas e distribuíram dividendos com base nesse lucro majorado”, afirma o advogado Diego Aubin Miguita, do escritório Vaz, Barreto, Schingaki & Oioli Advogados.
A interpretação da PGFN poderá ainda impactar as empresas que tomam empréstimos de vinculadas no exterior. Segundo Miguita, isso pode ocorrer porque a legislação impõe limites ao valor do endividamento (juros do empréstimo) que a empresa terá nessas operações e poderá abater do IR e CSLL a pagar. “Até um limite, calculado com base no seu patrimônio líquido, a empresa pode descontar os juros dos tributos”, afirma o advogado. “E as novas regras contábeis alteram o valor do patrimônio líquido”.