contrato de câmbio (ACC) não se sujeita aos efeitos da recuperação
judicial, previstos no artigo 49, parágrafo 4°, da Lei 11.101/05. Esse
foi o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ), que definiu a questão por três votos a dois. O relator é o
ministro Villas Bôas Cueva.
Conforme destacou o ministro em seu
voto, “sem declaração de inconstitucionalidade, as regras da Lei 11.101
sobre as quais não existem dúvidas quanto às hipóteses de aplicação não
podem ser afastadas a pretexto de se preservar a empresa”.
O
ministro Cueva lembrou que a nova Lei de Recuperação de Empresas e
Falências disciplinou como devem ser as relações entre a empresa em
crise e seus credores. E uma dessas regras, segundo o ministro,
determina expressamente que a cobrança dos chamados adiantamentos de
créditos decorrentes de contratos de câmbio celebrados na operação de
exportação, os ACCs, não é influenciada pelo deferimento da recuperação
judicial.
O recurso
O caso trata de
crédito derivado de ACC pertencente ao HSBC Bank Brasil S/A Banco
Múltiplo na recuperação judicial da Siderúrgica Ibérica. No recurso ao
STJ, o banco sustentou que o entendimento aplicado à questão pelo
Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) violou o artigo 49, parágrafo 4º, da
Lei 11.101.
O tribunal local constatou que os ACCs
representariam 41,45% da dívida da siderúrgica. Afirmou que haveria
“impossibilidade fática de coexistência harmônica” entre os artigos 47 e
49, parágrafo 4º, da lei. O primeiro trata do princípio da preservação
da empresa; o segundo traz a regra de que não está sujeita aos efeitos
da recuperação judicial a importância entregue ao devedor decorrente de
ACC para exportação.
Com isso, o TJPA optou por aquele que, a
seu ver, “melhor se alinha aos objetivos da República e aos princípios
constitucionais da ordem econômica”, privilegiando a preservação em
detrimento do artigo 49, que exclui os créditos de ACC.
Irresignado,
o banco defendeu em seu recurso que os créditos decorrentes de ACC não
se sujeitam à recuperação judicial e que a proteção a eles prevista no
artigo 49 não pode simplesmente ser afastada sob pena de quebra da
segurança jurídica, “com grave desestímulo à contratação do crédito na
modalidade em pauta por parte das instituições financeiras”.
Regra e princípio
Ao
analisar a questão, o relator relembrou a distinção entre regra e
princípio e advertiu que o juízo de ponderação, feito no caso pelo TJPA,
só se admitiria em hipótese de colisão de princípios, não neste
julgamento, em que há conflito entre uma regra (artigo 49) e um
princípio (artigo 47).
“A ponderação é recurso interpretativo
que se molda a resolver conflitos de normas da mesma natureza, o que não
se verifica no caso. Estamos diante de dois dispositivos trazidos pelo
mesmo veículo normativo, portanto do mesmo nível hierárquico”, explicou.
“Quando a estipulação do princípio não advém de legislação
editada com o fim de dispor sobre normas gerais, mas do mesmo plano
normativo que a regra, a regra deve prevalecer sobre o princípio, salvo
se houver declaração de inconstitucionalidade que lhe retire eficácia”,
completou Cueva.
O ministro também destacou que é clara e direta
a opção do legislador no sentido de preservar a restituição dos ACCs de
forma independente do plano da recuperação. Se não fosse assim, Cueva
alerta que a inclusão de tais créditos na recuperação comprometeria “a
fluidez dos investimentos lastreados na modalidade do crédito em questão
(largamente utilizado pelos exportadores), encarecendo o custo da
captação de recursos e dificultando a geração de renda, emprego,
inovação e a arrecadação de tributos”.
Transferência de propriedade
Acompanharam
esse entendimento os ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso
Sanseverino. Em seu voto de desempate, Sanseverino acrescentou que a
regra do artigo 49 “densifica e delimita” os princípios do artigo 47. A
proteção aos créditos de ACC, disse Sanseverino, concretiza, no plano
dos créditos sujeitos à recuperação judicial, os princípios do artigo
47, entre os quais os da preservação e da função social da empresa.
O
ministro Sanseverino ainda lembrou a existência da Súmula 307 do STJ,
segundo a qual os ACCs constituem crédito extraconcursal na falência
(que não concorrem com outros na falência), devendo sua restituição ser
atendida antes de qualquer crédito. Isso porque, “sendo o contrato de
câmbio modalidade de compra e venda, o adiantamento ao exportador da
moeda nacional, antes do recebimento da moeda estrangeira, não
implicaria a transferência da propriedade da moeda nacional”.
A
constatação, no entender do ministro Sanseverino, implica também a
exclusão dos ACCs na recuperação, “pois os bens que não integram o
patrimônio da recuperanda [a siderúrgica] não podem ser utilizados para o
cumprimento do plano”.
Votaram em sentido contrário à posição vencedora a ministra Nancy Andrighi e o ministro, já aposentado, Massami Uyeda.